Depois de tomar muita chuva, a febre me pareceu ser apenas uma forte gripe. Fui pra casa, me agasalhei toda e peguei no sono. Meu susto ao acordar com uma médica à beira da cama só não foi maior porque Simone estava ao lado e isso explicava tudo.
Quando cheguei, com uma cara que não devia estar das melhores, Malaezinho estava em casa e começou a falar que eu tinha que ir ao médico. Como insisti que não devia ser nada e só precisava descansar, o dedo-duro foi até a Casa Vida contar tudo pra Simone. Daí a presença da médica cubana no meu quarto no meio da tarde.
No dia seguinte foi a vez do Levi aparecer em casa pra me levar a uma clínica pra fazer exame de sangue. Erivelto, que também tinha tido febre nos dias anteriores, foi junto e o resultado foi negativo pra nós dois, tanto pra dengue como para malária. Como eu continuava piorando, com fortes dores musculares e pintas vermelhas pelo corpo, Simone me levou ao hospital geral de Dili (Guido Valadares) para um exame mais completo. Novamente o resultado foi negativo para dengue, mas como havia uma contagem de plaquetas muito baixa, a médica cubana, Dra. Mileize, disse que eu tinha dengue mesmo e a recomendação foi repouso, muito líquido e paracetamol no caso de dor ou febre.
Apesar da indisposição e da sensação de corpo moído, no fundo eu estava tão aliviada por ter me livrado dos interventores no Profep que nem estava ligando muito pra dengue. Além do mais, estava sendo tão paparicada... Simone comentou no culto de Domingo que eu estava doente e até a Azimar, professora do ELPI que é super reservada, veio me trazer uma sopinha. Os amigos do Profep vieram também, mais alguns do Procapes, além de muitos telefonemas de companheiros oferecendo ajuda. Com os meninos aqui em casa então, nem se fala. Roberto apareceu pra pegar o fogareiro e me fez um mingau de aveia adoçado com pedaços de chocolate. Malaezinho arranjou uma sopa em lata e veio me trazer de bandeja. O problema é que eu não conseguia comer de maneira alguma e só esperava eles saírem para oferecer a comilança pros cachorros.
Comecei a me preocupar quando amanheci na terça-feira com os olhos da cor da bandeira de Timor-Leste e vi o sangue escorrer do meu nariz e gengivas. Telefonei pra Lotte que era nossa fonte de informações sobre saúde em 2005 pra saber se esses sintomas seriam de dengue hemorrágica e logo apareceu a menina aqui em casa com duas sacolas – eu disse duas sacolas – de compras. Ameixas, passas, pão, atum, tomate, sucos de frutas, etc e etc. Parecia que eu sofria de desnutrição e não de dengue! Lotte fez uma prescrição alimentar que deveria ser seguida à risca, com toda uma preleção sobre as propriedades alimentares de cada item, e Betão e Malaezinho quase anotaram tudo pra ficarem me vigiando e ver se eu comia aquilo tudo. Até de madrugada Roberto acordou dizendo que tinha me ouvido chamá-lo.
No dia seguinte, novamente fui com Simone pro Hospital Guido Valadares para novos exames e dessa vez confirmaram a dengue. Como as plaquetas caíram para 77 (nem sei bem a unidade de medida, mas o nível considerado normal é entre 150 e 400) e minha pele parecia manchada com molho de tomate, Lotte chegou aqui em casa na quarta-feira à noite, olhou pra minha cara e só pediu o número da minha apólice do seguro de saúde. Ela mesma telefonou para o Banco do Brasil em São Paulo e explicou que eu precisava tomar soro e plaquetas e estava em um lugar onde não havia condição disso ser feito já que o sangue em Timor-Leste não é testado e os casos de AIDS proliferam. Lotte simplesmente me mandou pra fora do país!
Agora, justiça seja feita: o atendimento da seguradora do BB é nota mil. Logo depois da Lotte ter falado com eles, me telefonaram para confirmar alguns dados e depois ligaram de novo para dizer que eu seria transportada para um hospital na Indonésia. Entre meia-noite e uma e meia da manhã, me ligaram três vezes, já da central em Jakarta, acertando tudo para minha internação em Bali no dia seguinte. Pela manhã telefonaram dando o número da minha reserva e o nome do médico que viria me buscar. Às onze e meia o motorista da Casa Vida – sempre Simone – já estava aqui para levar a mim e Fraunlein Roberto (uma verdadeira enfermeira alemã) ao aeroporto.
Inicialmente o pessoal de Jakarta me perguntou se eu precisaria de acompanhante e eu disse que sim, daí a ida do Betão pra Bali comigo. Mais tarde, disseram que meu estado de saúde necessitava de cuidados especiais e resolveram mandar o médico vir me buscar. Como a reserva já estava feita mesmo e o Betão tem uma vocação tremenda para cão de guarda, resolveu ir de qualquer forma. Malaezinho ficou em casa com a importante missão de alimentar a macaquinha. O duro foi convencer Simone que eu estaria bem com o médico e o Roberto, já que a doida queria ir pra Bali de qualquer maneira, alegando que o Vavat (pai dela) jamais a perdoaria se me deixasse “abandonada”.
Chegamos a Bali e já havia um carro da seguradora me esperando pra levar ao hospital e o médico da seguradora só saiu do meu lado quando a equipe do Kasih Ibu Hospital assumiu o caso. Primeiramente fiquei na emergência, mas depois fui para um quarto 5 estrelas e, se não fosse o soro pendurado na mão 24 horas por dia, e todas as espetadelas para tirar sangue, teriam sido férias perfeitas. Fiquei no hospital quinta, sexta e sábado, quando fui liberada para ir para um hotel, contanto que permanecesse em Bali para continuar com a medicação e os exames. Médicos e enfermeiros mais que gentis e todos falando Inglês muito bem. Bem, “muito” não seria o mais exato, mas todos eram fluentes e a pronúncia oriental ao falar Inglês me é bastante familiar já que morei numa quase colônia chinesa nos USA.
Durante os dias em que fiquei no hospital, Betão se hospedou num hotel em frente e depois que fui liberada fomos juntos para o bom e velho Masa Inn. O melhor de tudo foi saber que até o hotel correu por conta do Banco do Brasil. Se eu soubesse disso antes teria ficado num daqueles resorts em Nusa Dua (rss). Agora falando sério, a coisa ficou preta pro meu lado, mas graças a Deus e a excelentes amigos, fiz uma doce caipirinha desse limão azedo que recebi. No sábado, recém saída do hospital, claro que não tinha disposição pra passear pelas ruas de Kuta, mas no Domingo contratamos um motorista e fizemos um tour por alguns lugares clássicos da ilha. Fomos assistir a uma apresentação de Badang e depois fomos a Ubud ver a floresta dos macacos. No caminho, paramos para ver a arte do batik e depois almoçamos num restaurante com vista para um vulcão. Lindo! Na volta ainda paramos num templo bem antigo, mas sem grande beleza e eu, claro, aproveitei até para fazer umas comprinhas. O ruim era a sensação de cansaço que, segundo o médico, pode durar até duas semanas, mas fora isso estava me sentindo ótima. Na segunda-feira, antes de ir para o hospital, até aproveitamos a piscina do hotel e só pensava em desejar vida longa pra quem me rogou essa praga, para assistir de pé à minha recuperação em meio àquelas caixinhas de folha de bananeira com oferendas aos deuses e ao som de flautas tocando gamelan. “Heaven... I’m in heaven...”.
O médico só queria me liberar na terça-feira à tarde, mas jurei que já estava bem e expliquei que precisava trabalhar na quarta e tinha que embarcar de volta a Dili na terça-feira pela manhã. Prometi continuar a tomar os remédios (e cumpri) e não fazer esforço (o que não cumpri de maneira alguma). Já cheguei de volta fazendo faxina na casa e no dia seguinte estava no encontro de tutores do Profep, finalmente livre dos maus fluidos trazidos por aquele povo que tanto nos aporrinhou. Na quinta-feira, além de trabalhar o dia todo, ainda fizemos a mudança de sala, já que nossa sala habitual estará em reformas pelos próximos dois meses. Na sexta-feira dei aula o dia todo, preparando os cursistas para a prova bimestral que aplicamos e corrigimos no sábado. Terminei o dia exausta, tomando sorvete com Senhorinha, Antonio, Rosiete e Rosilene no Tropical. Exausta, mas feliz por estar de volta à vidinha aqui em Timor. Vou ter oportunidade de voltar a Bali na Semana Santa e, dessa vez, será como turista, não como paciente.
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