Olá!

Bem vindos ao diário de uma brasileira em Timor-Leste - uma meia-ilha no outro lado do planeta que a todos encanta com a magia do canto de uma sereia.
Ou seria o canto de um crocodilo? Bem... em se tratando de Timor, lafaek sira bele hananu... :-))

domingo, 14 de março de 2010

Band of Brothers

Se quiseres conhecer realmente o âmago de uma pessoa, dá a ela poder. Eu nunca tive poder algum e talvez até precisasse disso para me conhecer melhor, mas falando com pureza d’alma, o poder não me atrai. Decidir o que outra pessoa deve fazer sempre me deixou insegura. Quem sou eu pra saber o que é melhor pra quem quer que seja? Já tive que decidir tantas vezes por meus filhos e acho que cometi tantos erros... Graças a Deus eles há muito decidem por eles próprios e se eu não concordar, posso argumentar, discutir, brigar feio mesmo, mas não posso nem quero ter o poder de escolher por que caminhos andarão as vidas alheias. Talvez o poder acarrete um tipo de responsabilidade que eu não queira assumir sozinha e daí eu gostar tanto de decidir as coisas em grupo, naquela de “é conversando que a gente se entende” ou “muitas cabeças pensam melhor que uma”.


Por que estou falando sobre “poder”? Porque antes de chegar o grupo de interventores do Profep, eu havia alardeado aos colegas que a Wanda, aquela que chegou aqui em Timor comigo em 2005, era uma profissional extremamente competente e um ser humano de primeira qualidade. O problema é que eu conheci uma Wanda que era tão bolsista quanto qualquer outro do grupo, apenas mais uma entre 48 e, portanto, tão amiga e companheira quanto precisava ser. A Wanda que chegou aqui em 2010 foi outra pessoa completamente diferente. Essa era a toda poderosa ex-gestora (nem sabia dessa denominação) do Profep, a mulher com experiência e detentora do conhecimento, literalmente, a dona da bola. Ela não veio aqui para dividir esse conhecimento com ninguém. Veio para mostrar o quanto sabia fazer tudo melhor do que estava sendo feito, veio para apontar defeitos, veio para colocar o dedo nas nossas feridas. Essa nova Wanda não lembrava nem de longe a companheira de infortúnios que dividiu comigo as saudades na festa do Dia das Mães promovida por Simone em 2005 ou a amiga que celebrou comigo a entrada de 2006 nas areias de Kuta. Aquela amiga que preparava encontros agradabilíssimos na casinha no Bairro Pité que dividia com Rosangela, Eliana e Edináuria, tornou-se uma pessoa que promoveu momentos de grosseria impar e pouquíssimo profissionalismo, já que entendo que profissionalismo e respeito andam lado a lado. Será que é apenas uma consequência do poder? Ou será que ela sempre foi assim e eu é que não tinha percebido?


O bom – sempre podemos tirar uma boa lição de cada acontecimento em nossas vidas – foi ver o grupo do Profep cada vez mais unido, daí o título do post ser “Band of Brothers”. Quem assistiu à série da HBO vai entender bem ao que me refiro.

Um rapaz do grupo “brasileiro” foi fazer mais uma apresentação no Power Point (Já não aguento mais ver um PPS!) e começou com perguntas do tipo, “O que o fez inscrever-se num programa como esse?” e “O que espera aprender em Timor-Leste?”, ou coisa que o valha. Minha vontade foi imprimir o memorial que mandei pra fazer minha inscrição na Capes, mas estava ouvindo o Antonio tentando responder às perguntas quando o tal professor Hélio (ninguém do grupo tinha nome completo) o interrompeu pra dizer que estávamos muito calados. Eu aleguei que não costumávamos falar todos ao mesmo tempo e ele disse que queria uma coisa mais espontânea. Respondi que, se era pra ser espontânea, espontaneamente me calaria. Sei que não fui muito gentil, mas já havia testemunhado tantas grosserias em tão poucos dias que queria demonstrar que alguma coisa eu havia aprendido. Sabe Deus porque, a docinho de côco da Rosiete resolveu abrir sua boquinha pela primeira vez na semana. O assunto da apresentação do Hélio havia descambado para avaliações e Wanda citou como exemplo de forma errada de avaliar algumas das questões feitas por nós. Rosiete entendeu que a indireta era para uma prova que ela havia feito e resolveu se defender. Wanda deu um corte tão ríspido na moça que eu pensei até que ela fosse cair em prantos. Rosi segurou a onda, mas o clima ficou tão irrespirável que Wanda até se desculpou, mas o dano já havia sido feito. A partir daí, sem que tivéssemos combinado nada, nenhum de nós disse mais uma só palavra. O Hélio perguntava, propunha debates, questionava temas dos mais diversos e ninguém respondia nada. Nosso silêncio deve tê-los incomodado tanto que Wanda resolveu antecipar a pausa para o almoço, não sem antes desculpar-se mais uma vez com Rosiete.


Fomos, eu Rosiete e Antônio, almoçar na casa deles onde Gilson estava preparando o almoço e cuidando da Senhorinha que estava de cama com uma bela duma dengue. Esse afastamento da Senhorinha também foi péssimo pra gente, pois deixou nosso reino destronado justamente quando tantas cabeças coroadas apareceram na área, mas... fazer o quê? O almoço até parecia um velório já que a estupidez recebida pela Rosi afetou a todos nós. Gilson bem que tentou animar os combalidos combatentes, mas não havia nada que levantasse nosso moral. A coisa estava feia...

Voltamos para a continuação da apresentação (Bendito datashow que não quebra!) e mais uma vez permanecemos completamente calados. Todos! Fiquei até com pena do Hélio que acabou pegando toda a rebarba da nossa insatisfação. Duvido que ele tenha feito uma apresentação pior na vida. Só sei que parece que a coisa estava programada para durar um certo tempo, mas como ninguém respondeu a uma só questão proposta, a apresentação terminou em tão pouco tempo que Wanda disse, “Se soubéssemos que seria tão rápido teríamos terminado tudo antes do almoço!”. Por que será, né?

No dia seguinte amanheceu chovendo bicas. Acabei me atrasando e perdi o carro da embaixada que nos pega todas as manhãs e o Roberto resolveu me levar de moto numa hora de estiagem, mas a chuva nos pegou em cheio no meio do caminho e cheguei ao INFPC ensopada. Meu humor já não estava dos melhores. Naquele momento eu e Rosiete deveríamos estar acordando na ilha de Ataúro onde faríamos a observação da prática pedagógica dos cursistas de lá e prepararíamos o encontro quinzenal com o tutor Antonio. O “pessoal do Brasil” nos impediu de ir alegando que não podíamos nos afastar de Dili exatamente quando eles estavam aqui. Wanda ainda disse que a vinda deles pra cá estava custando muito dinheiro aos cofres públicos para desperdiçarmos assim. Curioso, pois eu tinha entendido que o investimento era para beneficiar os professores timorenses e não para fazer uma exibição do todo poderoso grupo do Proformação, mas se eles acham que Timor-Leste tem mais a ganhar assim, que seja. Afinal, se alguém estava sendo pago a peso de ouro eram eles, não nós... Juntando a frustração por não estar cumprindo aquilo que tínhamos programado à forma como toda a coisa estava correndo e mais o fato de estar molhada até os ossos, a última coisa que eu estava era sorridente. Teríamos um encontro com o “grupo do Brasil” sem a presença dos colegas timorenses e tudo parecia confluir para uma bela lavagem de roupa suja. Já tínhamos testemunhado a força de nossa união e eu fui a primeira a propor a continuação do pacto de silêncio, mas todos estavam temerosos de piorar a situação já que estaríamos numa sala menor, sentados em torno da mesa de reuniões sendo convocados individualmente a falar alguma coisa. Realmente, eles montaram um esquema que nos obrigava a fazer alguma colocação e tentamos – ao menos eu, Vladimir e Alan – ser o mais evasivos possível, mas que não dava para continuarmos calados, isso não dava mesmo.

Rosilene, a menina com uma língua que não cabe na boca, soltou os bichos. Havíamos sido cobrados em relação ao horário de trabalho e ela questionou porque o grupo do Profep tinha que trabalhar das 8:00h da manhã às cinco da tarde, de segunda a sábado, enquanto alguns colegas do Procapes davam, no máximo, seis horas de aula por semana. Se eles podem produzir fora do local de trabalho nós também podemos fazer o mesmo! Do jeito meio atrapalhado dela, acabou dizendo tudo que eu gostaria de ter dito, mas preferi me calar comentando apenas que me sentia bastante comprometida com o programa e acrescentando que me empenharia ao máximo para o sucesso do mesmo. Foi o máximo que me permiti dizer, apesar de ter tido vontade de aplaudir de pé a fala de minha amiga bocuda.

Como tudo na vida tem seu preço, Rosilene teve que ouvir da pouco gentil Wanda, versão 2010, que o edital da Capes previa troca de posição nos programas e que se ela não estava satisfeita no Profep podia mudar para o Procapes. Daí veio a fala da Rosilene...

A baianinha, no seu jeito sereno e fala mansa, começou dizendo o quanto estava sendo ruim e pouco produtiva a visita do grupo brasileiro ao Profep-Timor. Disse que pensava que eles viriam aqui para nos apoiar, nos dar suporte, mas que eles haviam chegado aqui ditando normas, desconsiderando e desrespeitando todo o trabalho que havia sido feito até então e que, ao invés de se sentir apoiada ela estava se sentindo pressionada, vistoriada e que no momento que recebeu o fora da Wanda no dia anterior a primeira coisa que lhe passara pela cabeça tinha sido voltar para casa, mas que ponderara e vira que isso de nada adiantaria, pois seus problemas continuariam a existir aqui e que preferia esperar que eles fossem embora para que sua vida voltasse ao normal. Rosiete disse tudo isso com uma calma, com uma tranquilidade tão grande, que ninguém conseguiu responder uma palavra na hora, ficaram todos de queixo caído. Duvido que alguém esperasse que aquela menina meiga e educada se colocasse de forma tão direta e incisiva.

Morri de inveja da coragem da moça, mas a Telma de 2005 também, assim como a Wanda, mudou bastante e essa nova Telma prefere não comprar mais briga alguma. Ganhei muitas rugas em 2005 batendo de frente com a Capes e cheguei à conclusão que melhor teria sido se tivesse ficado na minha, e daí me tornei essa pessoa que não mete a mão em cumbuca, mas sei reconhecer o valor de quem sabe dizer a coisa certa no momento exato e foi o que as “Rosis” fizeram, cada uma do seu jeito.

Infelizmente tive que sair, pois tremia de frio e percebi que ardia em febre. Mais tarde, descobri que me tornara mais uma vítima do Aedes-Aegypti, mas isso é papo pra outro post. Soube, mais tarde, que o outro professor do Proformação, o Paiva, falou em nome do grupo fazendo um misto de “mea culpa” com “mas vocês também...” e houve até uma trégua na guerra Profep-Timor versus Proformação-Brasil, mas eu estava finalmente livre deles que adiaram a partida por uma semana. Tive uma baita dengue hemorrágica, com direito a internação de três dias em hospital, mas ainda foi melhor que aturar os desmandos de quem não sabe lidar com respeito ao próximo.



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