Olá!

Bem vindos ao diário de uma brasileira em Timor-Leste - uma meia-ilha no outro lado do planeta que a todos encanta com a magia do canto de uma sereia.
Ou seria o canto de um crocodilo? Bem... em se tratando de Timor, lafaek sira bele hananu... :-))

domingo, 14 de março de 2010

Volta à Rotina (?)



Será que posso dizer que estou de volta à rotina estando em Timor-Leste? Não existe rotina nesse país. Tudo aqui acontece inesperadamente, sem muito planejamento.


Voltei a Dili na terça-feira, 9 de março de 2010, à tarde, e no dia seguinte já estava de volta ao trabalho no Profep onde tivemos nosso encontro quinzenal com os tutores. Claro que, no meio do dia, Senhorinha chegou com a notícia que nosso período para a fase presencial deveria ser modificado de tal forma que não teríamos mais a última semana de março livre, como havia sido combinado. Pulamos todos feito pipoca quente e com muitas idas e vindas à sala do Sr. Antoninho, diretor do INFPC, conseguimos transferir as atividades para a segunda semana de abril. Antes do final do dia, outra novidade: nossa sala seria reformada e, para tal, teríamos que nos mudar. Mais negociação da Senhorinha com o Sr. Armindo, nosso antigo companheiro aqui desde 2005, e acabamos voltando para a antiga sala do Profep que agora é ocupada (?) pelo Procapes. A interrogação deve-se ao fato da sala ficar às moscas durante a maior parte do tempo. Como o pessoal do Procapes não tem horário de trabalho certo e o coordenador tem sua sala no MEC, a sala acabava sendo usada apenas pelos professores que queriam usar a Internet. Cesar (Matemática) e Japiassú (Física) pegaram o modem deles (do Procapes) e o instalaram em outro lugar, resolvendo o problema.


Quinta-feira completamos a mudança, com direito a mais uma faxina pesada, e deixamos tudo arrumadinho para receber os 84 professores cursistas que vieram dos distritos para as aulas preparatórias para a prova bimestral. Demos aula para os professores na sexta e aplicamos e corrigimos as provas no Sábado. Antes das 17:00h do Sábado já tínhamos até entregue as provas com os devidos resultados e a programação para a recuperação que acontecerá no próximo Sábado. Tudo certinho, azeitadinho e num bom clima de trabalho. Tirando o fato do Vladimir estar derrubado pela dengue (é o quarto a cair em um mês), todos trabalhamos na mais perfeita paz, completamente em harmonia. E ainda assim tivemos que aturar aquele povo do MEC/Proformação que chegou aqui cagando regras! Como disse a Rosiete, eles foram embora e nossas vidas voltaram ao normal.

Nosso trabalho nesses últimos dias foi bem pesado, mas ninguém deixou a peteca cair num exemplo de trabalho cooperativo executado por profissionais comprometidos com a boa qualidade do serviço. Nesse ponto tenho que aplaudir os professores timorenses que deram tanto duro quanto qualquer um de nós, os professores brasileiros. Em especial, minha contra-parte, a pequena professora de Matemática, Ester, foi uma mão na roda em todos os sentidos. Dividiu as aulas comigo, corrigiu provas e lançou notas, tudo sem perder o sorriso. Na quinta-feira quando apareceu de bermudas, pronta para faxinar a sala, Antonio reclamou perguntando onde estava a Ester sempre elegante e ela caiu na gargalhada. O que tem de pequenina tem de bem disposta, a danada. Timor-Leste estará bem assessorado quando voltarmos pra casa, pelo menos em Matemática.




No final do dia, exaustos, fomos convidados por nossa coordenadora para uma happy-hour-sorvetão no Tropical, próximo ao INFPC. Bem que merecemos :-))


Dengosa no Paraíso




Depois de tomar muita chuva, a febre me pareceu ser apenas uma forte gripe. Fui pra casa, me agasalhei toda e peguei no sono. Meu susto ao acordar com uma médica à beira da cama só não foi maior porque Simone estava ao lado e isso explicava tudo.

Quando cheguei, com uma cara que não devia estar das melhores, Malaezinho estava em casa e começou a falar que eu tinha que ir ao médico. Como insisti que não devia ser nada e só precisava descansar, o dedo-duro foi até a Casa Vida contar tudo pra Simone. Daí a presença da médica cubana no meu quarto no meio da tarde.

No dia seguinte foi a vez do Levi aparecer em casa pra me levar a uma clínica pra fazer exame de sangue. Erivelto, que também tinha tido febre nos dias anteriores, foi junto e o resultado foi negativo pra nós dois, tanto pra dengue como para malária. Como eu continuava piorando, com fortes dores musculares e pintas vermelhas pelo corpo, Simone me levou ao hospital geral de Dili (Guido Valadares) para um exame mais completo. Novamente o resultado foi negativo para dengue, mas como havia uma contagem de plaquetas muito baixa, a médica cubana, Dra. Mileize, disse que eu tinha dengue mesmo e a recomendação foi repouso, muito líquido e paracetamol no caso de dor ou febre.

Apesar da indisposição e da sensação de corpo moído, no fundo eu estava tão aliviada por ter me livrado dos interventores no Profep que nem estava ligando muito pra dengue. Além do mais, estava sendo tão paparicada... Simone comentou no culto de Domingo que eu estava doente e até a Azimar, professora do ELPI que é super reservada, veio me trazer uma sopinha. Os amigos do Profep vieram também, mais alguns do Procapes, além de muitos telefonemas de companheiros oferecendo ajuda. Com os meninos aqui em casa então, nem se fala. Roberto apareceu pra pegar o fogareiro e me fez um mingau de aveia adoçado com pedaços de chocolate. Malaezinho arranjou uma sopa em lata e veio me trazer de bandeja. O problema é que eu não conseguia comer de maneira alguma e só esperava eles saírem para oferecer a comilança pros cachorros.

Comecei a me preocupar quando amanheci na terça-feira com os olhos da cor da bandeira de Timor-Leste e vi o sangue escorrer do meu nariz e gengivas. Telefonei pra Lotte que era nossa fonte de informações sobre saúde em 2005 pra saber se esses sintomas seriam de dengue hemorrágica e logo apareceu a menina aqui em casa com duas sacolas – eu disse duas sacolas – de compras. Ameixas, passas, pão, atum, tomate, sucos de frutas, etc e etc. Parecia que eu sofria de desnutrição e não de dengue! Lotte fez uma prescrição alimentar que deveria ser seguida à risca, com toda uma preleção sobre as propriedades alimentares de cada item, e Betão e Malaezinho quase anotaram tudo pra ficarem me vigiando e ver se eu comia aquilo tudo. Até de madrugada Roberto acordou dizendo que tinha me ouvido chamá-lo.

No dia seguinte, novamente fui com Simone pro Hospital Guido Valadares para novos exames e dessa vez confirmaram a dengue. Como as plaquetas caíram para 77 (nem sei bem a unidade de medida, mas o nível considerado normal é entre 150 e 400) e minha pele parecia manchada com molho de tomate, Lotte chegou aqui em casa na quarta-feira à noite, olhou pra minha cara e só pediu o número da minha apólice do seguro de saúde. Ela mesma telefonou para o Banco do Brasil em São Paulo e explicou que eu precisava tomar soro e plaquetas e estava em um lugar onde não havia condição disso ser feito já que o sangue em Timor-Leste não é testado e os casos de AIDS proliferam. Lotte simplesmente me mandou pra fora do país!

Agora, justiça seja feita: o atendimento da seguradora do BB é nota mil. Logo depois da Lotte ter falado com eles, me telefonaram para confirmar alguns dados e depois ligaram de novo para dizer que eu seria transportada para um hospital na Indonésia. Entre meia-noite e uma e meia da manhã, me ligaram três vezes, já da central em Jakarta, acertando tudo para minha internação em Bali no dia seguinte. Pela manhã telefonaram dando o número da minha reserva e o nome do médico que viria me buscar. Às onze e meia o motorista da Casa Vida – sempre Simone – já estava aqui para levar a mim e Fraunlein Roberto (uma verdadeira enfermeira alemã) ao aeroporto.

Inicialmente o pessoal de Jakarta me perguntou se eu precisaria de acompanhante e eu disse que sim, daí a ida do Betão pra Bali comigo. Mais tarde, disseram que meu estado de saúde necessitava de cuidados especiais e resolveram mandar o médico vir me buscar. Como a reserva já estava feita mesmo e o Betão tem uma vocação tremenda para cão de guarda, resolveu ir de qualquer forma. Malaezinho ficou em casa com a importante missão de alimentar a macaquinha. O duro foi convencer Simone que eu estaria bem com o médico e o Roberto, já que a doida queria ir pra Bali de qualquer maneira, alegando que o Vavat (pai dela) jamais a perdoaria se me deixasse “abandonada”.

Chegamos a Bali e já havia um carro da seguradora me esperando pra levar ao hospital e o médico da seguradora só saiu do meu lado quando a equipe do Kasih Ibu Hospital assumiu o caso. Primeiramente fiquei na emergência, mas depois fui para um quarto 5 estrelas e, se não fosse o soro pendurado na mão 24 horas por dia, e todas as espetadelas para tirar sangue, teriam sido férias perfeitas. Fiquei no hospital quinta, sexta e sábado, quando fui liberada para ir para um hotel, contanto que permanecesse em Bali para continuar com a medicação e os exames. Médicos e enfermeiros mais que gentis e todos falando Inglês muito bem. Bem, “muito” não seria o mais exato, mas todos eram fluentes e a pronúncia oriental ao falar Inglês me é bastante familiar já que morei numa quase colônia chinesa nos USA.


Durante os dias em que fiquei no hospital, Betão se hospedou num hotel em frente e depois que fui liberada fomos juntos para o bom e velho Masa Inn. O melhor de tudo foi saber que até o hotel correu por conta do Banco do Brasil. Se eu soubesse disso antes teria ficado num daqueles resorts em Nusa Dua (rss). Agora falando sério, a coisa ficou preta pro meu lado, mas graças a Deus e a excelentes amigos, fiz uma doce caipirinha desse limão azedo que recebi. No sábado, recém saída do hospital, claro que não tinha disposição pra passear pelas ruas de Kuta, mas no Domingo contratamos um motorista e fizemos um tour por alguns lugares clássicos da ilha. Fomos assistir a uma apresentação de Badang e depois fomos a Ubud ver a floresta dos macacos. No caminho, paramos para ver a arte do batik e depois almoçamos num restaurante com vista para um vulcão. Lindo! Na volta ainda paramos num templo bem antigo, mas sem grande beleza e eu, claro, aproveitei até para fazer umas comprinhas. O ruim era a sensação de cansaço que, segundo o médico, pode durar até duas semanas, mas fora isso estava me sentindo ótima. Na segunda-feira, antes de ir para o hospital, até aproveitamos a piscina do hotel e só pensava em desejar vida longa pra quem me rogou essa praga, para assistir de pé à minha recuperação em meio àquelas caixinhas de folha de bananeira com oferendas aos deuses e ao som de flautas tocando gamelan. “Heaven... I’m in heaven...”.



O médico só queria me liberar na terça-feira à tarde, mas jurei que já estava bem e expliquei que precisava trabalhar na quarta e tinha que embarcar de volta a Dili na terça-feira pela manhã. Prometi continuar a tomar os remédios (e cumpri) e não fazer esforço (o que não cumpri de maneira alguma). Já cheguei de volta fazendo faxina na casa e no dia seguinte estava no encontro de tutores do Profep, finalmente livre dos maus fluidos trazidos por aquele povo que tanto nos aporrinhou. Na quinta-feira, além de trabalhar o dia todo, ainda fizemos a mudança de sala, já que nossa sala habitual estará em reformas pelos próximos dois meses. Na sexta-feira dei aula o dia todo, preparando os cursistas para a prova bimestral que aplicamos e corrigimos no sábado. Terminei o dia exausta, tomando sorvete com Senhorinha, Antonio, Rosiete e Rosilene no Tropical. Exausta, mas feliz por estar de volta à vidinha aqui em Timor. Vou ter oportunidade de voltar a Bali na Semana Santa e, dessa vez, será como turista, não como paciente.






Band of Brothers

Se quiseres conhecer realmente o âmago de uma pessoa, dá a ela poder. Eu nunca tive poder algum e talvez até precisasse disso para me conhecer melhor, mas falando com pureza d’alma, o poder não me atrai. Decidir o que outra pessoa deve fazer sempre me deixou insegura. Quem sou eu pra saber o que é melhor pra quem quer que seja? Já tive que decidir tantas vezes por meus filhos e acho que cometi tantos erros... Graças a Deus eles há muito decidem por eles próprios e se eu não concordar, posso argumentar, discutir, brigar feio mesmo, mas não posso nem quero ter o poder de escolher por que caminhos andarão as vidas alheias. Talvez o poder acarrete um tipo de responsabilidade que eu não queira assumir sozinha e daí eu gostar tanto de decidir as coisas em grupo, naquela de “é conversando que a gente se entende” ou “muitas cabeças pensam melhor que uma”.


Por que estou falando sobre “poder”? Porque antes de chegar o grupo de interventores do Profep, eu havia alardeado aos colegas que a Wanda, aquela que chegou aqui em Timor comigo em 2005, era uma profissional extremamente competente e um ser humano de primeira qualidade. O problema é que eu conheci uma Wanda que era tão bolsista quanto qualquer outro do grupo, apenas mais uma entre 48 e, portanto, tão amiga e companheira quanto precisava ser. A Wanda que chegou aqui em 2010 foi outra pessoa completamente diferente. Essa era a toda poderosa ex-gestora (nem sabia dessa denominação) do Profep, a mulher com experiência e detentora do conhecimento, literalmente, a dona da bola. Ela não veio aqui para dividir esse conhecimento com ninguém. Veio para mostrar o quanto sabia fazer tudo melhor do que estava sendo feito, veio para apontar defeitos, veio para colocar o dedo nas nossas feridas. Essa nova Wanda não lembrava nem de longe a companheira de infortúnios que dividiu comigo as saudades na festa do Dia das Mães promovida por Simone em 2005 ou a amiga que celebrou comigo a entrada de 2006 nas areias de Kuta. Aquela amiga que preparava encontros agradabilíssimos na casinha no Bairro Pité que dividia com Rosangela, Eliana e Edináuria, tornou-se uma pessoa que promoveu momentos de grosseria impar e pouquíssimo profissionalismo, já que entendo que profissionalismo e respeito andam lado a lado. Será que é apenas uma consequência do poder? Ou será que ela sempre foi assim e eu é que não tinha percebido?


O bom – sempre podemos tirar uma boa lição de cada acontecimento em nossas vidas – foi ver o grupo do Profep cada vez mais unido, daí o título do post ser “Band of Brothers”. Quem assistiu à série da HBO vai entender bem ao que me refiro.

Um rapaz do grupo “brasileiro” foi fazer mais uma apresentação no Power Point (Já não aguento mais ver um PPS!) e começou com perguntas do tipo, “O que o fez inscrever-se num programa como esse?” e “O que espera aprender em Timor-Leste?”, ou coisa que o valha. Minha vontade foi imprimir o memorial que mandei pra fazer minha inscrição na Capes, mas estava ouvindo o Antonio tentando responder às perguntas quando o tal professor Hélio (ninguém do grupo tinha nome completo) o interrompeu pra dizer que estávamos muito calados. Eu aleguei que não costumávamos falar todos ao mesmo tempo e ele disse que queria uma coisa mais espontânea. Respondi que, se era pra ser espontânea, espontaneamente me calaria. Sei que não fui muito gentil, mas já havia testemunhado tantas grosserias em tão poucos dias que queria demonstrar que alguma coisa eu havia aprendido. Sabe Deus porque, a docinho de côco da Rosiete resolveu abrir sua boquinha pela primeira vez na semana. O assunto da apresentação do Hélio havia descambado para avaliações e Wanda citou como exemplo de forma errada de avaliar algumas das questões feitas por nós. Rosiete entendeu que a indireta era para uma prova que ela havia feito e resolveu se defender. Wanda deu um corte tão ríspido na moça que eu pensei até que ela fosse cair em prantos. Rosi segurou a onda, mas o clima ficou tão irrespirável que Wanda até se desculpou, mas o dano já havia sido feito. A partir daí, sem que tivéssemos combinado nada, nenhum de nós disse mais uma só palavra. O Hélio perguntava, propunha debates, questionava temas dos mais diversos e ninguém respondia nada. Nosso silêncio deve tê-los incomodado tanto que Wanda resolveu antecipar a pausa para o almoço, não sem antes desculpar-se mais uma vez com Rosiete.


Fomos, eu Rosiete e Antônio, almoçar na casa deles onde Gilson estava preparando o almoço e cuidando da Senhorinha que estava de cama com uma bela duma dengue. Esse afastamento da Senhorinha também foi péssimo pra gente, pois deixou nosso reino destronado justamente quando tantas cabeças coroadas apareceram na área, mas... fazer o quê? O almoço até parecia um velório já que a estupidez recebida pela Rosi afetou a todos nós. Gilson bem que tentou animar os combalidos combatentes, mas não havia nada que levantasse nosso moral. A coisa estava feia...

Voltamos para a continuação da apresentação (Bendito datashow que não quebra!) e mais uma vez permanecemos completamente calados. Todos! Fiquei até com pena do Hélio que acabou pegando toda a rebarba da nossa insatisfação. Duvido que ele tenha feito uma apresentação pior na vida. Só sei que parece que a coisa estava programada para durar um certo tempo, mas como ninguém respondeu a uma só questão proposta, a apresentação terminou em tão pouco tempo que Wanda disse, “Se soubéssemos que seria tão rápido teríamos terminado tudo antes do almoço!”. Por que será, né?

No dia seguinte amanheceu chovendo bicas. Acabei me atrasando e perdi o carro da embaixada que nos pega todas as manhãs e o Roberto resolveu me levar de moto numa hora de estiagem, mas a chuva nos pegou em cheio no meio do caminho e cheguei ao INFPC ensopada. Meu humor já não estava dos melhores. Naquele momento eu e Rosiete deveríamos estar acordando na ilha de Ataúro onde faríamos a observação da prática pedagógica dos cursistas de lá e prepararíamos o encontro quinzenal com o tutor Antonio. O “pessoal do Brasil” nos impediu de ir alegando que não podíamos nos afastar de Dili exatamente quando eles estavam aqui. Wanda ainda disse que a vinda deles pra cá estava custando muito dinheiro aos cofres públicos para desperdiçarmos assim. Curioso, pois eu tinha entendido que o investimento era para beneficiar os professores timorenses e não para fazer uma exibição do todo poderoso grupo do Proformação, mas se eles acham que Timor-Leste tem mais a ganhar assim, que seja. Afinal, se alguém estava sendo pago a peso de ouro eram eles, não nós... Juntando a frustração por não estar cumprindo aquilo que tínhamos programado à forma como toda a coisa estava correndo e mais o fato de estar molhada até os ossos, a última coisa que eu estava era sorridente. Teríamos um encontro com o “grupo do Brasil” sem a presença dos colegas timorenses e tudo parecia confluir para uma bela lavagem de roupa suja. Já tínhamos testemunhado a força de nossa união e eu fui a primeira a propor a continuação do pacto de silêncio, mas todos estavam temerosos de piorar a situação já que estaríamos numa sala menor, sentados em torno da mesa de reuniões sendo convocados individualmente a falar alguma coisa. Realmente, eles montaram um esquema que nos obrigava a fazer alguma colocação e tentamos – ao menos eu, Vladimir e Alan – ser o mais evasivos possível, mas que não dava para continuarmos calados, isso não dava mesmo.

Rosilene, a menina com uma língua que não cabe na boca, soltou os bichos. Havíamos sido cobrados em relação ao horário de trabalho e ela questionou porque o grupo do Profep tinha que trabalhar das 8:00h da manhã às cinco da tarde, de segunda a sábado, enquanto alguns colegas do Procapes davam, no máximo, seis horas de aula por semana. Se eles podem produzir fora do local de trabalho nós também podemos fazer o mesmo! Do jeito meio atrapalhado dela, acabou dizendo tudo que eu gostaria de ter dito, mas preferi me calar comentando apenas que me sentia bastante comprometida com o programa e acrescentando que me empenharia ao máximo para o sucesso do mesmo. Foi o máximo que me permiti dizer, apesar de ter tido vontade de aplaudir de pé a fala de minha amiga bocuda.

Como tudo na vida tem seu preço, Rosilene teve que ouvir da pouco gentil Wanda, versão 2010, que o edital da Capes previa troca de posição nos programas e que se ela não estava satisfeita no Profep podia mudar para o Procapes. Daí veio a fala da Rosilene...

A baianinha, no seu jeito sereno e fala mansa, começou dizendo o quanto estava sendo ruim e pouco produtiva a visita do grupo brasileiro ao Profep-Timor. Disse que pensava que eles viriam aqui para nos apoiar, nos dar suporte, mas que eles haviam chegado aqui ditando normas, desconsiderando e desrespeitando todo o trabalho que havia sido feito até então e que, ao invés de se sentir apoiada ela estava se sentindo pressionada, vistoriada e que no momento que recebeu o fora da Wanda no dia anterior a primeira coisa que lhe passara pela cabeça tinha sido voltar para casa, mas que ponderara e vira que isso de nada adiantaria, pois seus problemas continuariam a existir aqui e que preferia esperar que eles fossem embora para que sua vida voltasse ao normal. Rosiete disse tudo isso com uma calma, com uma tranquilidade tão grande, que ninguém conseguiu responder uma palavra na hora, ficaram todos de queixo caído. Duvido que alguém esperasse que aquela menina meiga e educada se colocasse de forma tão direta e incisiva.

Morri de inveja da coragem da moça, mas a Telma de 2005 também, assim como a Wanda, mudou bastante e essa nova Telma prefere não comprar mais briga alguma. Ganhei muitas rugas em 2005 batendo de frente com a Capes e cheguei à conclusão que melhor teria sido se tivesse ficado na minha, e daí me tornei essa pessoa que não mete a mão em cumbuca, mas sei reconhecer o valor de quem sabe dizer a coisa certa no momento exato e foi o que as “Rosis” fizeram, cada uma do seu jeito.

Infelizmente tive que sair, pois tremia de frio e percebi que ardia em febre. Mais tarde, descobri que me tornara mais uma vítima do Aedes-Aegypti, mas isso é papo pra outro post. Soube, mais tarde, que o outro professor do Proformação, o Paiva, falou em nome do grupo fazendo um misto de “mea culpa” com “mas vocês também...” e houve até uma trégua na guerra Profep-Timor versus Proformação-Brasil, mas eu estava finalmente livre deles que adiaram a partida por uma semana. Tive uma baita dengue hemorrágica, com direito a internação de três dias em hospital, mas ainda foi melhor que aturar os desmandos de quem não sabe lidar com respeito ao próximo.