Olá!

Bem vindos ao diário de uma brasileira em Timor-Leste - uma meia-ilha no outro lado do planeta que a todos encanta com a magia do canto de uma sereia.
Ou seria o canto de um crocodilo? Bem... em se tratando de Timor, lafaek sira bele hananu... :-))

domingo, 21 de fevereiro de 2010

21 de fevereiro de 2010 – Um mês em Timor



Hoje completo um mês nessa minha segunda missão em Timor-Leste e é hora de fazer um balanço.

Timor-Leste hoje não tem mais conflitos e é uma jovem nação em paz e crescendo a plenos pulmões. Mas Timor não tem mais Raimundo...

Em relação a 2005, praticamente não há mais problemas com energia e abastecimento de água em Dili. Há calçadas e até alguma iluminação nas ruas, além de sinais de trânsito. Mas Timor não tem mais Lúcia Inês...

Há esgotos tratados e até os porcos estão mais gordos. Não há fome em Dili, apesar de toda a pobreza. O país está vencendo as dificuldades a passos curtos, mas bem direcionados. Mas Timor não tem mais Tarcísio...

Ninguém grita mais “Malae! Malae!” pelas ruas, e as crianças já nos cumprimentam em Português, apesar de vez ou outra ainda se ouvir um “Hello, Mister” aqui e acolá. O buzinaço dos taxis está mais ameno e os meninos do ANZ estão nas escolas ao invés de ficar vendendo “kartaum” aos estrangeiros. Agora, chamam o kartaum de “pulsa”. Mas Timor não tem mais Michelle...


A Catedral foi reformada e o buraco em frente foi finalmente fechado. O trânsito por ali ao meio-dia lembra até a Rua São Clemente (Botafogo – Rio de Janeiro) na hora da saída das escolas. A antiga casa dos “meninos” em Vila Verde agora é sede de alguma organização internacional. Mas Timor não tem mais Saulo e Guido...

Taibessi acabou! As barracas foram transferidas para outro espaço e agora chama-se mercado de Hari-Laran (erguido dentro – tradução literal). Ainda há muitas roupas, mas a maioria é nova. Aqueles navios de roupas doadas por ONGs já não se fazem tão necessários e os timorenses tentam deixar de ser um povo vestido de segunda mão. Mas Timor não tem mais Sandra Beiju...

Agora há uma ciclovia até Areia Branca. Bem, na verdade está inacabada, mas as obras continuam e espero que até o fim da missão eu possa pedalar daqui ao Cazbar. Mas Timor não tem mais Cléo...

Antigos restaurantes deram lugar a novos investidores e o circuito de “points” definitivamente mudou. Na quarta-feira ainda se vai ao Exótica que não atende mais por esse nome apesar de continuar pertencendo ao Carlos. Ainda não estive por lá, mas foi o que ouvi dizer. Mas Timor não tem mais Sandra Sá...

Timor tem hoje um novo grupo de professores da Capes. Serão os últimos por aqui. Caso o acordo de cooperação educacional seja renovado, acredito que o próprio governo timorense irá querer estabelecer novas bases, orientado pela cooperação portuguesa, sem dúvida alguma. E nada mais justo... pode até ser que o meu estranho banzo esteja falando por mim, mas hoje, minha análise é que a Capes não aprendeu nada com os próprios erros. O Brasil continua cumprindo esse acordo como quem carrega um pesado fardo do qual está louco para se ver livre.

O Profep já nasceu funcionando bem, ponto final. Não posso falar sobre o ELPI (Ensino da Língua Portuguesa Instrumental) já que não tenho o menor contato com ninguém de lá. O PG-UNTL não existe; é só a Rosimeire como “tutora” sem ter quem tutorar. Alguns voluntários estão lecionando no Liceu, mas até onde eu saiba, isso é tudo. Há a promessa da vinda de um grupo da Universidade de Santa Catarina que irá implantar cursos de mestrado, mas até lá não imagino como possa funcionar um programa cujo Edital descreve como “Pós-Graduação na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (PG-UNTL): O projeto tem como objetivo capacitar profissionais na área da educação para o ensino, pesquisa e a extensão nas diversas áreas do conhecimento; formar profissionais aptos a utilizarem o conhecimento adquirido nas áreas específicas para atuarem em instituições públicas ou privadas.” E não envia um só profissional para atuar no mesmo. Lembrando que a tutora – a doutora em Rafiofármacia (sic) (*) que faz as vezes de educadora – está aqui recebendo € 2.100 por mês (cerca de R$ 5.125,00) para cumprir horário no MEC e administrar os horários das aulas dadas por professores que, apesar da boa vontade, não têm titulação para lecionar numa pós-graduação, dói no meu bolso de contribuinte prestes a levar uma super mordida do leão no próximo mês.

O Procapes de 2010 é uma versão piorada do similar sem nome de 2005. Naquele primeiro grupo, podia não haver coordenação, mas havia, ao menos, a vontade de acertar e a boa disposição para arregaçar as mangas e trabalhar duro, salvo desonrosas exceções. E agora? O que há? Melhor eu encerrar por aqui antes que eu me deprima mais ainda. Estou bem de saúde, minha família está bem apoiada no Brasil, estou aqui desenvolvendo um trabalho muito legal e recebendo o carinho de velhos e novos amigos. Do que posso me queixar? Vou me empenhar para fazer meu trabalho aqui melhor que o impossível (o possível, não é mais que obrigação) e depois voltar à minha vidinha bem estabelecida. Tenho uma família maravilhosa, um bom emprego, meu próprio negócio, casa, carro, amigos... o que posso pedir mais? Meu desejo de retornar a Timor-Leste tornou-se realidade e Ele continua escrevendo claro e reto por sobre as linhas mais do que tortas. Só tenho mesmo é que agradecer e esquecer que aqui não tem mais Raimundo, Lúcia, Tarcísio, Michelle, etc, etc...




(*) É assim que está escrito no currículo de Rosimeire de Souza Freitas na Plataforma Lattes.

Um comentário:

  1. Telma,
    Em 2005 eu fiz aquele projeto para o início de uma Pós-graduação na UNTL, projeto que hoje já teria formado timorenses pesquisadores. Eles não acreditaram, ou tiveram inveja, e deu no que deu. Acredito que se tivessemos conseguido, hoje a conversa seria outra. Plantei uma PG aqui na minha universidade e sei como é complicado. Sem competência, não se faz pós-graduação em lugar nenhum do mundo. Lamento que ai ainda estejam patinando nisso.
    Um beijo e se cuide...

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