Rapidamente cheguei àquele ponto em que tenho que cantar para ouvir minha voz falando minha própria Língua. E o mais estranho é que eu não tenho realmente “conversado” com ninguém... Pergunto onde fica a área para fumantes, alguém me dá as direções para chegar até lá... Isso não é uma conversa, apenas me diferencia de uma eremita. Ontem, durante o longo tempo que fiquei na sala da Lion Air esperando por minha mala e negociando hotel, transporte, alimentação, etc., posso dizer que conversei com alguém. Havia uma porção de funcionários, todos muito jovens e que, claramente, não sabiam como lidar com uma gringa histérica querendo embarcar a qualquer custo e gritando que tinha passaporte diplomático (rss). Exigi a presença do supervisor deles e veio um homem muito calmo, mais ou menos da minha idade, e que resolveu todos – bem, quase todos – os problemas. Explicou que não podia fazer o avião ficar parado esperando que eu passasse pela imigração (claro), e arranjou para que eu tivesse transporte aeroporto-hotel-aeroporto, além de me entregar o bilhete para o dia seguinte, já com as taxas pagas. A única coisa que a garotada da Lion Air conseguiu fazer sozinha foi tirar minha mala do avião porque eu estava exigindo roupas e artigos de higiene. Pois foi com este supervisor que conversei mais longamente nesses últimos dias. Falamos sobre a situação de Timor-Leste, na independência da Indonésia, para ele, desnecessária, para mim, apenas precipitada, e por aí fomos. Quando nos despedimos, ele disse que tinha gostado tanto de conversar comigo que agradecia que eu tivesse perdido meu vôo. Posso até considerar elogioso o comentário, mas tive vontade de torcer o pescoço do cara.
Às vezes penso que sou um daqueles casos patológicos que precisam de tratamento para controlar a raiva. Talvez eu devesse procurar um grupo de apoio, algo como “Raivosos Anônimos”. Posso não ser um docinho de pessoa, menina meiga, fala mansa, olhar bondoso... juro que eu adoraria ser assim. Mas também não sou daquelas pessoas de mal com a vida, sempre emburradas e que parecem carregar uma nuvem negra sobre as cabeças. Sou normal... até o momento que me irrito! Ao ver meus direitos serem desrespeitados, ao me sentir aviltada, ao ter minha inteligência desacatada, posso me transformar de gatinha sonolenta em leoa furiosa numa fração de segundo. Ao longo dos anos aprendi a controlar meu nível de aceitação e hoje, coisas que me irritavam profundamente no passado, parecem sem maior importância. O que não consegui controlar ainda, e talvez até tenha piorado, é a intensidade da minha irritação. Parece que, na medida em que me conscientizo de que minha tolerância é cada vez mais flexível, me permito sentir muita raiva quando esses limites são extrapolados. É como se eu dissesse a mim mesma, “Puxa, você atura tanta coisa que dessa vez tem o direito de explodir!”.
E por que estaria eu agora, sentada na sala de embarque do aeroporto de Jakarta escrevendo este ensaio sobre a raiva? Primeiro, porque não tenho nada melhor a fazer. Depois, porque talvez eu tenha embarcado nessa viagem para diminuir toda a raiva e irritação que tenho sentido ultimamente em relação ao meu trabalho em Timor-Leste pela Capes, e para isso preciso de distanciamento, preciso refletir, avaliar prós e contras. Faltam agora apenas 88 dias e não quero meter os pés pelas mãos nessa reta de chegada. E acima de qualquer coisa, não desejo que minha raiva e minha decepção prejudiquem qualquer pessoa além de mim mesma que já me sinto prejudicada só pelo fato de estar experimentando estes sentimentos.
Bem, isso é papo longo e fica para outra ocasião. Está parecendo que, finalmente, vou conseguir embarcar rumo a Saigon. Desejem-me boa viagem!
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