Olá!

Bem vindos ao diário de uma brasileira em Timor-Leste - uma meia-ilha no outro lado do planeta que a todos encanta com a magia do canto de uma sereia.
Ou seria o canto de um crocodilo? Bem... em se tratando de Timor, lafaek sira bele hananu... :-))

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

De como as boas lembranças do passado devem permanecer onde estão ou Porque estou na contagem regressiva para voltar pra casa

Estou agora dentro do avião, rumo a Ho Chi Minh City, mais conhecida como Saigon, a maior cidade do Vietnam. O Vietnam, como todos sabem, fica na Ásia, na região conhecida como Indochina e suas fronteiras são: China, ao norte; Mar da China ao leste e ao sul; Laos e Cambodia a oeste. O Vietnam foi colônia da França de 1858 até a Segunda Guerra quando foi invadido pelo Japão. Com a derrota do Japão e impotência da França em retomar o território, o país viu-se envolvido numa nova disputa interna que acabou transformando-o em Vietnam do Sul e Vietnam do Norte. Saigon era a capital do sul, anti-comunista e apoiado pelos USA durante a guerra. Em 1973, os americanos derrotados deixaram a área que reunificou-se como República Socialista do Vietnam. Saigon, tomada pelo Vietcong – Frente de Libertação do Sul – passou a chamar-se Ho Chi Minh. Bem, sempre fui péssima em História e esse é o resumo do resumo de tudo que li ultimamente sobre o país. Cheguei a uma idade em que os fatos históricos que os jovens aprendem na escola, me foram passados por Gontijo Teodoro, o famoso Repórter-Esso, na época em que aconteciam e minha vontade de conhecer o Vietnam nasceu na década de 60.

Oooops! Quase que não continuo a viagem! Tive que sair do avião e fazer todo aquele procedimento de passar pelo raio-x em Singapura. O pior (piooorrr, como diria o Anderson) é que ninguém da tripulação sabia me dizer o que fazer no aeroporto. Saí, passei pelo raio-x e fui procurar o aviso do meu vôo. Lá dizia que ainda não havia previsão de qual seria o portão de entrada e decidi rever o jardim dos fumantes, o point mais agradável do aeroporto de Singapura. Na volta, ao olhar para o quadro, avisava que o avião estava fechando os portões. Saí correndo feito uma louca até chegar ao portão de embarque onde, de longe, um funcionário já perguntou, “Ms. Telma Silva?”, o que não é um bom sinal... Enquanto a atendente verificava meu cartão de embarque, outro avisava alguém pelo rádio que “agora” podiam fechar. Então, cá estou eu de novo, sentada no meu assento privilegiado (o primeiro da classe econômica, aquele que a mesinha sai do braço da poltrona), me deliciando com um legítimo pãozinho indonésio recheado com chocolate e lambendo os beiços, já que até agora, no ar, a Lion Air não tinha me servido nem um copo d`água.

Voltando à história do Vietnam, quando conheci Timor-Leste e sua história de bravos guerreiros, pensei logo que Timor estava para a Indonésia, assim como o Vietnam do Norte estava para os Estados Unidos. Não vou ficar no Vietnam tempo suficiente para conhecer os vietnamitas como conheço os timorenses, mas espero que jamais me decepcione com os vietcongs da forma como estou decepcionada com os mauberes...

Se você tem uma lembrança muito bonita de algum lugar ou de alguém que conheceu superficialmente, guarde-a no fundo do coração e use-a quando precisar de alento. Se o destino o afastou de algo, não lute contra ele. Tudo e todos têm o seu tempo de permanência em nossas vidas e a aceitação da impermanência é uma arte a ser desenvolvida por todos que buscam o crescimento espiritual. Eu me dei ao trabalho de tatuar “Iluminação” na minha nuca, mas não aceitei que meu tempo em Timor havia chegado ao seu termo em 2006. Primeiro tive a fase de negação, passando um longo tempo sem mesmo acreditar que tivesse deixado aquela terra onde vivi uma grande experiência. Daí, pulei para a fase da luta, brigando feito uma tigresa apanhada numa armadilha, fazendo possível o que parecia impossível: voltar a Timor-Leste pela Capes.

Pensei em continuar escrevendo, “Como me arrependo”, mas pensei melhor e não vou dizer que esteja realmente arrependida. Não que eu tenha problema algum em me arrepender ou admitir que errei, mas em consideração às pessoas que reencontrei – e nisso a vinda para Timor valeu muito a pena – como às pessoas que conheci e aprendi a admirar, não posso considerar que essa segunda missão em Timor tenha sido um total fracasso. Teria sido melhor ter ficado onde estava, tocando minha vida para a frente e guardando as lembranças de Timor com muito, muito carinho. No futuro, infelizmente, quando eu pensar em Timor, vou lembrar dos timorenses que trabalham comigo no Profep e que, na maioria (não todos), são capazes de atraiçoar como os crocodilos que consideram sagrados. Fingem que estão dormindo e quando você acredita que esteja a salvo, tiram a cauda de baixo da água e dão uma rabanada no pescoço pra desnortear e poderem devorar a presa calma e vagarosamente. Estou falando sobre crocodilos? Não, refiro-me aos meus “caros colegas” timorenses.

Só para ilustrar melhor a situação e não ficar parecendo aqui que estou procurando sarna pra me coçar, deixa eu contar um rápido episódio que mostra bem o tipo de gente com quem estou lidando.

O Profep é o Programa de Formaçao de Professores da Escola Primária. Há uma nova Lei de Bases da Educação e a escola primária não existe mais e, dessa forma, o diploma do Profep não ajuda os professores timorenses em muita coisa. Bem, mais um equívoco da cooperação entre os dois países, e a solução para esse problema seria que, agora que os cursistas do Profep têm o antigo nível médio completo, eles podem continuar seus estudos e fazer o Bacharelato que, em Timor, equivale a uma Licenciatura. O problema é que os timorenses gostam de cortar caminhos e talvez por isso tenham conseguido emboscar as milícias indonésias. Outro problema é que eles também não estão satisfeitos com a ajuda que recebem, apesar de jamais dizerem isso e estarem sempre sorridentes e aparentando submissão. A quase totalidade dos cursistas do Profep tinha um nível de escolaridade muito próximo do zero e diferenciavam-se de outros em suas aldeias só por não serem completamente analfabetos. Nenhum outro programa no mundo os certificaria no nível médio depois de dois anos de estudo à distância. Mas isso não foi suficiente para eles...

Na segunda-feira da semana passada o Professor Francisco me procurou dizendo que a direção do Instituto nacional de Formação Profissional e Contínua (INFPC) estava querendo que, além do diploma do Profep, também fosse dado aos cursistas um certificado atestando que eles t6em nível de bacharelato. Professor Francisco é aquele que, tecnicamente, está preparado para ser o futuro coordenador do Profep-Timor, caso continue existindo. Bem, diante dessa solicitação absurda eu respondi que o Profep jamais poderia dar esse certificado porque isso não é verdade e Francisco agradeceu com aquele sorriso de sempre. Na quarta feira ele apareceu com uma nova versão do diploma. Em lugar dos bonequinhos que são a logomarca do Profep, eles queriam o mapa de Timor-Leste e onde dizia, “Ensino Secundário - Modalidade Docência, para o exercício do Magistério nas classes do Ensino Primário” deveria vir “Ensino Secundário - Modalidade Docência, para o exercício do Magistério nas classes do Ensino Pré-Secundário e Secundário”, ou seja, eles deram um “jeitinho” de fazer valer o diploma do Profep como um diploma de Bacharelato! Eu disse ao Professor Francisco que, se queriam tantas mudanças, que eles mesmos as fizessem no bendito diploma e dei por encerrada minha participação no assunto, mas não sem antes alertar a Ana Valéria.

Um parênteses se faz necessário. Com a saída da Senhorinha, a tutora do Profep, nosso grupo ficou acéfalo, mas tudo continuou a funcionar da mesma forma, comprovando a inutilidade da figura da tutora/coordenadora no programa. A Coordenação Pedagógica da Universidade de Santa Catarina decidiu que Vladimir e Francisco fariam uma gestão participativa até a chegada de uma nova tutora, mas na verdade ninguém nos disse isso oficialmente, tanto que até a data da partida do grupo de novos professores que chegou a Dili, se não me engano, no dia 29 de agosto, as duas pedagogas iriam, uma para o Procapes e a outra para a UNTL. Enquanto eles estavam em trânsito no Chile, receberam um e-mail da UFSC nomeando a Ana Valéria como tutora do Profep, o que desagradou a alguns já que, além de não ter havido processo seletivo para preenchimento dessa vaga, escolheram exatamente uma pessoa que não tem a titulação exigida para o cargo. A pedagoga que foi para a UNTL é mestre em Educação e há um professor de Matemática que também é graduado em Pedagogia, além de ter o mestrado em Educação. Porque escolheram a Ana Valéria será mais um dos mistérios da Capes, mas sei que ela está lá e precisamos ter alguém que assine os documentos, daí a minha preocupação em avisá-la do que estava sendo armado pelos professores timorenses. Ana Valéria me agradeceu muito pelo alerta e imediatamente chamou o Francisco para uma conversa. O curioso foi que ela pareceu tão agradecida pelo meu aviso que achei que eu seria merecedora de algum retorno, o que jamais aconteceu.

Na sexta-feira houve uma cerimônia de encerramento da Semana presencial do Profep, e aconteceu de eu me sentar exatamente ao lado do Professor Francisco. Resolvi perguntar o que havia sido decidido a respeito do diploma e ele respondeu que a nova tutora iria consultar Brasília para que a orientação viesse diretamente do MEC. Ponderei que esta era uma sábia decisão, mas adiantei que o pedido seria negado, pois o MEC jamais certificaria os cursistas do Profep para lecionar no curso secundário. Professor Francisco me olhou com aquele sorriso falsamente inocente que só os timorenses sabem ter e disse que jamais pedira para que a certificação fosse para Pré-Secundário e Secundário e sim para Primeiro e Segundo Ciclos da Educação Básica. Pensei que fosse uma piada e quando disse que era isso que estava escrito no rascunho de diploma que ele me mostrara dois dias antes, Francisco negou sorrindo e me olhando nos olhos. Insisti dizendo que era o que estava escrito no papel e que ele, inclusive, não me deixara nem ficar com uma cópia alegando ser a única que tinha. Sempre rindo, ele respondeu que o papel estava na sala da Agência e que podia me mostrar como estava escrito Primeiro e Segundo Ciclos. Olhei para ele abismada e disse que entendia que ele também não me pedira, na segunda-feira, que fizesse um certificado dizendo que o Profep tinha nível de Bacharelato. O sínico e ordinário, rindo e me encarando, respondeu, “Claro que não, professora, eu jamais pediria uma coisa dessas...”.

Eis aí uma das muitas razões para eu estar tão amarga e com tanta vontade de sair de Timor. Depois dessa conversa com o Professor Francisco, saí do auditório e fui pra casa vomitar e chorar um pouco e agora que já eliminei um pouco a minha raiva e decepção pelos olhos e pela boca, estou literalmente cagando e andando para o futuro do Profep-Timor e de seus cursistas.

Um comentário:

  1. PARABÉNS, PROFESSORA TELMA, PELA EXCELENTE EXPLANAÇÃO DA REALIDADE TIMORENSE!!!
    TENHO GRANDE ORGULHO ACADÊMICO EM CONHECER AO LONGO DA MINHA VIDA , PESSOAS NOBRES COMO VOCÊ E QUE VEM AO ENCONTRO DO MEU PENSAMENTO E DE TANTOS OUTROS COLEGAS.
    VOCÊ MATEMÁTICAMENTE FOI CERTEIRA NO SEU PENSAMENTO, COMO DIZIA O GRANDE EDUCADOR PAULO FREIRE: "ESTE É O PENSAR CERTO E VERDADEIRO..."
    QUERO DIVIDIR TAMBÉM ESTÁ ANGÚSTIA ACADÊMICA E DEIXAR REGISTRADO O MEU REPÚDIO A PESSOAS QUE NÃO POSSUEM QUALIFICAÇÃO MINÍMA PARA TAL POSTO, SENDO QUE A NOSSA MISSÃO É SÉRIE E PREZAMOS POR SERVIÇOS DE EXCELENTE QUALIDADE À SOCIEDADE TIMORENSE!!!

    UM SUPER ABRAÇO CARINHOSO DO SEU NOVO AMIGO DE SAMPA E MATEMÁTICO!!! ESTAMOS COM SAUDADES DE VOCÊ, NO AGUARDO!!!
    PROF. M.Sc. João Domingos Cavallaro Junior

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